O texto do jornalista Rodrigo Martins Menor Bom É Menor Preso?, publicado em CartaCapital e reproduzido nas páginas 44 a 49, põe em evidência a forma contraditória como a sociedade brasileira pensa a questão da maioridade penal. Com algumas exceções, o que se observa são afirmações pautadas em um senso comum estabelecido a partir de dados incompletos e enorme desconhecimento. Muitos que se dizem a favor da redução da maioridade penal ignoram o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não têm ideia do que seja o sistema prisional brasileiro, não estabelecem um olhar histórico a respeito da criminalidade, não consideram o percurso omisso do Estado brasileiro em relação às políticas de assistência à criança e adolescentes ou não têm noção da maturação psicológica nas várias fases do desenvolvimento humano.
 
Nessas circunstâncias – e influenciados por jornais e programas de televisão que comentam de forma espetacular os crimes cometidos por adolescentes, parece natural que o cidadão comum, e mesmo alguns mais esclarecidos, se mostrem favoráveis à redução da maioridade penal. Alguns aspectos relevantes precisam ser considerados. 
 
O primeiro é o desejo da sociedade de que uma única ação coloque ponto final à violência. O problema, de fato grave, possui múltiplas causas, o que exige ações em diferentes frentes. Decorre daí o segundo aspecto: o olhar parcial para o problema.  Infelizmente, nossa formação é segmentada. Considere-se, por exemplo, a forma como o ensino das disciplinas se dá nas escolas, onde é um desafio realizar atividades interdisciplinares que favoreçam a construção do conhecimento integrado a diferentes áreas do saber.  Na sociedade não é diferente. Cada instituição trabalha separadamente e há pouco diálogo entre elas. Estudos indicam que, concomitante às ações de segurança pública, é fundamental investir em melhorias de lazer, saúde, educação e habitação. Na ausência dessas ações complementares, não há dúvidas de que crianças e adolescentes ficam mais vulneráveis a todo tipo de violência.  
 
O terceiro é a forma como os dados estatísticos sobre a violência no País são apresentados. Não é difícil ver aqueles que advogam pela redução da maioridade penal fazendo uso tendencioso dos números, e boa parte das pessoas tem dificuldade para interpretá-los e relacioná-los. Se o fizessem, compreenderiam que o sistema prisional brasileiro recupera muito pouco (o índice de reincidência criminal no País é de 70%), e que atribuir a ele a responsabilidade de reeducar adolescentes infratores para devolvê-los futuramente à sociedade é uma falácia. Dessa maneira, é também impressionante que as estatísticas de assassinato de jovens no Brasil não causem comoção: na faixa entre 14 e 24 anos, mais de 200 mil morreram assim nos últimos 20 anos.
 
O quarto aspecto diz respeito à difícil tarefa de se estabelecer uma compreensão sobre qual deve ser o conjunto de ações junto aos adolescentes infratores, principalmente em crimes hediondos. Como administrar os cuidados a que eles têm direito? Quando um jovem está pronto para responder por seus crimes? É possível punir e reabilitar ao mesmo tempo? Como garantir o direito que a sociedade tem de se proteger sem agredir ou violentar? A que medidas socioeducativas devem ser submetidos e por quanto tempo?
 
Ao ignorar essas questões, qualquer resposta que se dê à questão da redução da maioridade penal corre o risco de ser insatisfatória. De uma coisa não se pode abrir mão: todos têm um papel importante nesse debate. Entretanto, o seu encaminhamento em sala de aula precisa ser realizado com cuidado, buscando-se evitar que se reproduzam ali as mesmas circunstâncias de análise que ocorrem em boa parte da sociedade.